Segundo a mitologia Grega, Pyrene, filha de Atlantis, para fugir à fúria de Hércules refugiou-se num lugar ermo da Península Ibérica. Com medo de ser descoberta por Hércules, acaba por optar pela sua própria morte incendiando toda a zona. Mesmo distante, Hércules, ao ver tal fogo e fumo a tocar o céu, logo se dirige para o local onde se depara com Pyrene morta e toda a zona enegrecida. No mesmo momento convoca todos os Titãs e com as suas próprias mãos constrói um gigantesco mausoléu, nascendo assim a cordilheira dos Pirineus.
São a fronteira natural entre Espanha e França e apresentam, sem dúvida, pequenos e grandes mundos para nos “perdermos”.
Aproveitando os longos dias do início do Verão, rumámos ao Pirinéu Aragonês , mais precisamente ao Parque Natural de Ordesa e Monte Perdido e, numa semana, tentámos percorrer parte do que esta reserva tem para oferecer.
1º Dia
Chegada e dormida em Torla… E as primeiras imagens das enormes paredes que “apertam” o impressionante desfiladeiro.
2º Dia
Depois da organização logística necessária para seis dias pela montanha, iniciámos o nosso percurso com destino ao Refúgio de Goriz (2.200m).
Começámos na zona de estacionamento do próprio parque, seguindo o caminho à direita, o qual cruza uma ponte sobre o rio Arazas, dando acesso ao trilho La Senda de los Cazadores e Faja Pelay.
Início de La senda de los Cazadores
Paisagens que surpreendem ao percorrer La Senda de Los Cazadores
O trilho encontra-se bem marcado e o declive é bastante acentuado, o que permite ganhar cota numa curta distância.
Depois do miradouro de Calcilarruego tem inicio a Faja Pelay e aqui tivemos a primeira vista dos “gigantes”. Tendo em conta a altura do ano, a neve ainda estava bem presente.
Vista do vale de Ordesa – Circo Soaso com Cilindro, Monte Perdido e Añisclo ao fundo
Quando a Faja termina, para chegar ao Refúgio de Goriz, há duas hipóteses: Subir pelas clavijas, ou continuar por um trilho bem marcado e que dá continuidade à Faja Pelay . Tendo em conta o peso das mochilas que transportávamos, a opção foi a segunda.
Já no refúgio, durante o jantar, ponderámos as alternativas para os dias seguintes em função das previsões meteorológicas que não se apresentavam nada “estáveis”.
Assim sendo, considerando que o dia seguinte seria aquele que maiores garantias de bom tempo apresentava e dada a proximidade a que se encontra o Monte Perdido, optámos pela ascenção a este cume através da sua “via normal”.
3º Dia
O trilho é visível do refugio e toda a sinalização é feita por mariolas, o que torna a orientação relativamente fácil.
Depois de ultrapassados vários “balcões” , a chegada ao lago Gelado (que se encontrava de tal forma coberto de neve que apenas uma ligeira depressão permitia adivinhar que ele ali se encontraria), deixa bem visíveis os dois gigantes: Monte Perdido (3.355m) à direita e o Cilindro de Marboré (3.335m) à esquerda. Deste ponto foi possível ver o caminho que nos daria acesso ao cume e, ao observar a encosta de forte pendente, ficou também claro qual a zona da denominada Escupidera e qual a razão de tal designação.
Seguimos primeiro pela crista do lado direito e, sensivelmente a meia-encosta, cruzámos para o lado esquerdo que nos daria acesso à Escupidera.
Cilindro e Lago Gelado na base… e crista de acesso às paredes da Escupidera
Ao chegar à Escupidera deu perfeitamente para perceber o porquê de ser a zona de montanha mais mortífera dos Pirineus. Ali não há lugar para o mínimo erro, especialmente se o manto nevado se encontrar gelado, pois além da forte pendente, o tipo de inclinação existente, pode transformar uma queda numa “rampa de lançamento” para o precipício.
Depois do final da Escupidera derivámos para a direita e seguimos pela zona pisada que nos daria acesso ao cume.
Final da Escupidera, antes da derivação para o acesso ao cume
A quantidade de neve era ainda bastante, o que fez com que depois de atravessar a “semi-cornija” que se forma antes do cume, se tivesse ainda de descer um pouco para chegar “ao ponto mais alto”.
Cume e marco geodésico do Monte Perdido (3.355m)
O céu completamente limpo permitiu ter uma panorâmica clara da cordilheira aragonesa e a ausência de outros montanheiros (nada habitual num dos mais concorridos cumes Pirinaicos) possibilitou uma permanência tranquila e a interiorização das verdadeiras sensações dos grandes espaços. Um excelente bônus antes de iniciarmos a descida de volta ao refugio.
A chegada, relativamente cedo, ao refugio permitiu delinear os dias seguintes, com a garantia de que a janela de bom tempo iria definitivamente fechar-se, pelo que, a opção foi a de seguir até à Brecha de Roland, passar para o lado Francês, descer até Gavarnie, passando a noite nesta pitoresca povoação, e regressar no dia seguinte a Goriz.
4º Dia
Junto ao refúgio, direcção Oeste/Noroeste, inicia-se o caminho que dá acesso à Brecha de Roland. O trilho atravessa el Barranco de Soaso, seguindo depois por trilha bem marcada e sinalizada por mariolas. Depois de passarmos nas ladeiras que permitem contornar a bacia onde de encontra um pluviômetro , seguimos em direcção ao colo do Pico Descarregador. A partir deste ponto, o caminho vai girando à direita e iniciando uma zona de blocos de rocha., deixando para trás o Descarregador.
Deste ponto consegue-se ter noção perfeita da Brecha e da denominada Falsa Brecha e El Dedo.
Falsa Brecha e El Dedo à esquerda e Brecha de Roland à direita
Brecha de Rolando
Segundo uma das lendas, no ano de 778, durante o domínio Mulçumano da Península Ibérica, Rolando sobrinho de Carlos Magno e um dos doze paladinos do imperador fugiu, das tropas Sarracena,s pelo Pirineu Aragonês. Rolando comandava as tropas de retaguarda e, no desfiladeiro de Roncesvales, acabou por cair numa armadilha que o obrigou a enfrentar as tropas Sarracenas. Rolando que se encontrava muito próximo da fronteira, não querendo morrer em terras que não as suas, sacou da sua espada Durandal, tão famosa como a de Excalibur do Rei Artur, e apenas com um golpe abriu um golpe na montanha, podendo assim alcançar França e morrer na sua pátria. A fenda aberta por Rolando, acaba assim por ganhar o seu nome em memória a este feito.
Seguimos pelo caminho junto às paredes da base do Pico Anónimo e chegámos à gruta gelada de Casteret, que está classificada como a gruta de gelo fóssil a maior altitude do mundo.
A passagem para o interior da gruta encontrava-se limitada, devido à presença de barreiras de protecção. Esta medida pretende condicionar a entrada de visitantes para o interior, de forma a minimizar a sua deterioração. Apesar destas barreiras, a área de “livre acesso” permite ter uma idéia global da gruta e, apesar do frio que se faz sentir, em caso de necessidade é um excelente local de abrigo e que poderá servir perfeitamente como local de pernoita.
Depois da gruta, o caminho continua junto às paredes do Pico Anónimo. Devido à quantidade de neve, o percurso foi feito na parte nevada. Nesta altura, as condições meteorológicas alteraram e em poucos minutos o céu escureceu tendo começado a trovejar… as previsões de mau tempo começavam a “ganhar forma”.
Com a chegada à Brecha de Roland, os ventos fortes, característicos desta zona, pareciam agravar ainda mais o cenário. Tendo em conta as condições, e o caminho que ainda tínhamos de percorrer, deixámos a subida ao pico El Taillon, para uma outra visita e iniciámos logo a descida para o lado Francês.
O caminho de descida foi feito pela encosta de grande inclinação que dá acesso ao Glaciar De La Brèche . Atravessámos a zona de glaciar e ao passar a curta distância do Refúgio de Serradets, a meteorologia voltou a dar tréguas e o sol acabou por aparecer, ainda que timidamente.
Início da descida para Gavarnie e uma última “mirada” à rectaguarda - Refugio de Serradets e Brecha de Roland
Até à zona do trilho que deriva para Puerto de Bujarelo o caminho estava bem pisado, sendo de fácil orientação. Depois deste ponto, a localização das mariolas de sinalização para acesso ao Vallée des Pouey D´Aspé exigem alguma atenção às mariolas, pois toda a área é uma enorme cascalheira de inclinação bastante acentuada. A descida fez-se escolhendo os troços de passagem mais fácil, mas sempre pelo meio de blocos de pedras de grandes dimensões, alternado com zonas de cascalheira miúda, o que dificultou ligeiramente a progressão.
A chegada ao vale deixa claro o trilho a seguir e a meteorologia, embora instável, continuava a deixar o sol espreitar.
Chegada ao Vallée des Pouey D´Aspé com vista para as paredes dos PetitsSarradets
A parte final do trilho é feita numa zona de bosque que acaba já na entrada da vila de Gavarnie.
Mesmo no final da jornada, a chuva apareceu e a chegada ao Gîte, que tínhamos escolhido para pernoita, foi já feita sob chuva torrencial.
Antes do jantar, muito embora a chuva não desse tréguas, houve ainda tempo para uma pequena visita nesta pitoresca povoação e à zona do Circo de Gavarnie onde se encontra a maior cascata de França com 422m de altura. É sem duvida um cenário de extrema imponência.
Grande Cascata de Gavarnie
Aproveitámos ainda a volta de fim de tarde para consultar as previsões meteorológicas… que não eram as melhores...
5º Dia
Ainda sem ter amanhecido, dava para observar algumas estrelas no céu, e a previsão dizia-nos que a manhã seria minimamente estável, piorando, no entanto, para a tarde.
Assim, resolvemos avançar com o que estava planeado inicialmente, ou seja, regressar a Goriz.
Pretendíamos agora regressar pelo caminho designado por Escadas de Serradets.
Saímos da vila de Gavarnie em direcção ao Circo, seguindo um caminho paralelo ao rio Gave de Gavarnie. Depois de passar o Hôtel du Cirque, o caminho desapareceu e encontrar o trilho que daria acesso às “Escadas” não foi rápido, uma vez que, devido ao relevo e às muitas zonas de degelo que davam origem a múltiplos cursos de água e aos vários trilhos, supostamente de pastores, que seguem aproximadamente na mesma direcção, a pouca sinalização por nós avistada não facilitou a sua a localização.
O método que julgamos mais eficaz para localizar as “Escadas” será avançar em direcção ao “fundo” do Circo de Gavarnie ao longo da base das suas paredes do lado direito, antes mesmo das primeiras cascatas encontra-se pintado nas rochas o símbolo “H”
Tal como o nome indica, o caminho é feito numa constante escalada de baixa dificuldade, passando posteriormente a trilho moderada inclinação até ao Refúgio de Sarradets
Ao final da manhã, a chuva começou a dar os primeiros sinais e até ao Refúgio de Serradets esteve sempre presente, mas em fraca intensidade. Resolvemos continuar, mas na travessía do glaciar que dá acesso à Brecha de Roland a chuva já era bastante intensa e o céu tinha escurecido e fechado por completo.
Pássamos para o lado Espanhol e iniciámos a descida com a meteorologia sempre a piorar. A partir deste ponto, para além da chuva intensa, começou uma trovoada constante acompanhada de relâmpagos que deixavam ‘claro’ estar bem em cima de nós. Ainda neste cenário, logo que passámos a zona da Gruta de Casteret, procurámos “isolar” todo o “ferro” que transportávamos ( crampons, piolet¸ mosquetões etc.) e considerando a existência de altas cumeadas rochosas em toda a envolvente, de na única zona plana (bacia do Descagador), estar colocado um pluviómetro (estrutura metálica) e que as botas de montanha têm uma generosa sola de borracha, optámos por seguir caminho sem grandes reservas em relação às descargas eléctricas que “gravitavam” acima de nós.
Ao passar o colo do Pico Descarregador a chuva diminui de intensidade e a trovoada deslocou-se para outra paragens. Depois de passarmos a bacia do pluviómetro até mesmo alguns raios de sol acabaram por aparecer.
Chegámos ao final da tarde a Goriz , montámos tenda e ainda o jantar estava a ser feito quando chuva, relâmpagos e trovões se fizeram sentir mesmo ali por cima. Desta vez, duraram toda a noite e sempre em forte intensidade.
6º Dia
Depois dos dias anteriores bem preenchidos e como se previam novas trovoadas logo ao final da manhã, resolvemos aproveitar este dia para secar todo o material, enquanto a chuva não aprecesse, descansar e preparar o dia seguinte.
7º Dia
Chegar à Faja de las Flores a partir do Refúgio de Goriz, com o objectivo de, no mesmo dia, aí regressar, não é um itinerário muito escolhido, mas é uma boa alternativa para quem não tem nos planos utilizar as Clavijas de Salarons que dão acesso directo do vale à Faja ou vice-versa.
Saindo do refúgio, seguimos o trilho até ao colo do Pico Descarregador . Aqui, virámos à esquerda e depois de destrepar uma pequena escarpa, chegámos à zona alagadiça denominada por El Sumidero. É necessário atravessar toda a zona de “lago”, pelo que, o melhor é mesmo procurar as zonas mais secas, junto à margem.
Segue-se uma extensa área de morfologia cársica onde a presença de lapiás formam um enorme labirinto que obriga a um constante subir, descer e contornar blocos de pedras.
A chegada à Faja é algo de verdadeiramente impressionante.
Inicio da Faja - Entrada do Circo de Cotatuero e Punta Tobacor em plano mais afastado
O caminho sobre a parede de pedra que segue a cerca de 1000m sobre o vale permite ter uma vista que dificilmente se consegue descrever. A fase inicial enquadrou-nos no Circo de Cotatuero, depois, o caminho estreito levou-nos a percorrer o vale numa vista aérea que só mesmo as aves de rapina (que passam mesmo ali ao lado..) podem partilhar. Com a chegada ao Circo de Carriata iniciámos o percurso de regresso.
Este é, sem dúvida, um percurso de eleição para culminar uma semana de deambulações pelo Parque Natural de Ordesa e Monte Perdido.
Vista para o Vale
8º Dia
Tinha chegado o dia do regresso. Desta vez optámos por descer pela base do vale de Ordesa, com passagem pela famosa queda de água da Cauda do Cavalo e seguindo todo o percurso até ao parque de estacionamento.