A interrupção da Travessia em 2009 deixou sempre a vontade do regresso bem marcada e, já em 2010 , assim que surgiu oportunidade, resolvemos avançar.
Pretendia-se que o início fosse o mais próximo possível do local onde se tinha terminado no ano anterior, para tal foi necessário verificar qual seria a melhor alternativa de aproximação. Voltar a subir o vale ao longo do rio de Trevelez, em direcção à zona do Horcajo derivando depois para a lagoa de Vacares ou subir pelo trilho que liga Trevelez às Siete Lagunas. Esta segunda hipótese obrigava a uma subida mais abrupta e a uma dormida da primeira noite a 2891m, o que para a aclimatação não era das melhores opções. Por outro lado, esta aproximação era, sem duvida, aquela que permitia chegar de forma mais rápida ao ponto onde se tinha ficado em 2009.
Optámos assim, pela subida directa de Trevelez em direcção às Siete Lagunas.
1º Dia
Chegada a Trevelez e reconhecimento do trilho.
2º Dia
Seguimos o PR-27 que sai de Trevelez em direcção a Siete Lagunas – Mulhacén e que, dentro da povoação se encontra indicado por sinalização vertical. O trilho é fácil de identificar e, até sensivelmente meio do percurso, encontra-se sinalizado por estacas de madeira, com listas branca e amarela e sinalização vertical com indicação de PR-27.
Após aproximadamente 4h de caminhada chega-se à La Campiñuela, um abrigo de pastores em bom estado e que poderá servir como abrigo.
La Campiñuela
Como o dique El Vertedero estava destruído, a passagem do rio fez-se uns metros mais acima, progredindo-se pela sua margem esquerda até uma cascata que se sobe por esse mesmo lado (estando de frente para esta, a subida é feita pela direita).
Após a subida da cascata, chegámos à Lagoa Hondera. As sete lagoas estão um pouco mais dispersas do que aparentemente se idealiza e terminam num circo com paredes cheias de escombros rochosos, mas no inicio é possível encontrar mariolas (pela direita) que orientam a progressão.
Depois de analisado o possível acesso para o Alcazaba através deste pequeno circo, verificámos que, com as mochilas de autonomia, a progressão seria lenta e algo exposta, pelo que, a opção mais acertada para ter acesso ao Alcazaba seria voltar para trás até à zona de El Vertedero e subir em direcção à lomba que daria acesso a esse cume.
Esta decisão poderia por em causa todo o plano, uma vez que, a “janela” de bom tempo iria fechar-se previsivelmente dentro de 3 dias, por isso a opção foi deixar este “gigante” para um próximo regresso.
Acampámos junto à Lagoa Hondera que, embora fosse uma zona muito ventosa, possuía muitos locais de bivaque e em que os melhores (por terem mais horas de sol) são os que estão na encosta da própria cascata que sai da lagoa, mas desta vez a opção foi mesmo uma zona de bivaque já junto ao trilho de acesso ao Mulhacén.
3º Dia
Iniciámos a subida da crista que sai do topo da lagoa Hondera em direcção ao cume do Mulhacén. As mariolas estão presentes em praticamente todo o percurso. Embora bem marcado, é um caminho com características opostas à via de acesso normal ao cume, a qual, na maioria das vezes, tem como base o refúgio Poquera e é caracterizada por constantes “romarias” até ao ponto mais alto.
Por esta encosta todo o acesso é diferente, desde a envolvente mais agreste ao horizonte mais aberto e ,claro, a tranqüilidade em toda a subida, sim porque companhia, só mesmo a da fauna local.. Mesmo para quem vá só com o objectivo de alcançar o cume do “Grande”, fica a sugestão desta aproximação, em alternativa à via normal.
Assim que a aproximação ao cume é feita, aumenta a presença humana e permanência no ponto mais alto da Península Ibérica (3482) , foi bastante curta, apenas o suficiente para a foto de cume e o apreciar de todo o maciço.
Cume do Mulhacén com a lagoa Caldera e o Pico Veleta à distância
Descemos em direcção ao Refúgio da Caldera. O refúgio encontra-se em bom estado de conservação, possui dois estrados de madeira para as dormidas e uma mesa longa. Encontra-se limpo e é sem duvida um bom local para pernoita.
Após a pequena pausa, seguiu-se caminho pelo estradão que segue mais ou menos em cota e em direcção ao segundo “gigante” da cordilheira - Veleta.
A chegada ao refugio da La Carihuela, permitiu deixar o maior peso das mochilas e ainda subir até ao cume do Veleta (3394) antes do por do sol.
Cume do Veleta
A dormida foi feita no refugio da La Carihuela* (mesmo ao lado do início da pista de ski Olimpica) que, tanto ao nível de características como ao nível de conservação, se encontra muito semelhante ao da Caldera.
A recordar a quantidade de neve caída durante o Inverno, encontrava-se um aviso que relembrava o uso obrigatório de crampons e piolet durante o Verão de 2010.
* - Ver nota final
* - Ver nota final
Refúgio La Carihuela
4º Dia
O objectivo do dia era chegar ao cume do Cerro Caballo. Na primeira fase desta ligação optámos por descer até aos Lagunillos de la Virgen voltando a ganhar cota por uma vereda marcada que dá acesso ao refugio Elorrieta. Esta passagem é alternativa à travessia pelos dos Tajos de la Virgen que, segundo as descrições e a confirmação no local, possui alguns passos mais delicados, que poderiam ficar comprometidos tendo em conta o peso que se levava às costas.
O refugio Elorrieta, a 3187m, está localizado numa zona de excelência e demonstra ter sido em outros tempos um verdadeiro refugio de “luxo”. Actualmente encontra-se em ruínas, mas é perfeitamente possível utilizá-lo como ponto de abrigo, caso a meteorologia assim o obrigue, existindo compartimentos em que é viável o isolamento total com o exterior.
Refúgio Elorrieta nos Tajos de la Virgen
Aproximadamente 45 minutos antes da chegada à lagoa do Cerro Caballo a vereda por onde seguíamos “desapareceu” , existindo um pequeno sector com correntes.
Sector com correntes na Verea Cortá
A chegada ao Refúgio del Caballo, a 2860m, fez-se por volta das 13h. O refúgio não possui zona de dormida nem nenhum tipo de mesa, é basicamente uma área abrigada, isolada do exterior, onde se pode perfeitamente pernoitar com a vantagem de ter a lagoa mesmo ao lado.
Cerro Caballo
Refúgio do Cerro Caballo
O cume do Cerro Caballho (3005) foi o ultimo “3000” desta travessia e uma vez que tinha sido alcançado antes da hora prevista, resolveu-se dar inicio à descida.
Lagoa e Refugio do Cerro Caballo
Cume do Cerro Caballo
O trilho de descida era evidente, no entanto, depois de passar as ruínas de Hoyos del Zorro, há uma curva à esquerda onde os trilhos se separam nas direcções Sul e Oeste, pelo que deverá existir especial atenção ao caminho a seguir. Neste caso, a opção é seguir para Sul, de forma a evitar a cumeada da lomba del Caballo. Depois deste ponto, seguimos pela encosta da lomba que é composta por uma vasta cascalheira (muitos e pequenos calhaus soltos), o que nem sempre permite visualizar um caminho definido ou “distorcendo” as mariolas existentes.
Mais abaixo, ao interceptar um estradão (de cor laranja no mapa), o trilho literalmente “desapareceu”.. Ainda foram consideradas algumas hipóteses de desvio do mesmo, mas seguindo o que se encontrava marcado no mapa, a única alternativa correcta era seguir mesmo pelo Barranco de Ballesteros em direcção ao Cortijo Ballesteros.
Sem trilho, a opção foi definir o azimute em direcção ao Cortijo e seguir, sempre que possível, na direcção apontada.
Todo o barranco foi feito na ausência trilho, procurando sempre as melhores opções, por entre árvores abatidas e terra revolvida por máquinas florestais, um verdadeiro “labirinto” agravado pela rápida subida das nuvens que, desde cedo, se começaram a fazer sentir nas cotas mais baixas, o que limitava a percepção do terreno apenas aos metros mais próximos.
Nuvens baixas assentes nos vales
Depois de muitos metros de descida por vegetação cerrada, os sons relacionados com actividade agrícola ajudaram bastante a manter o rumo até ao Cortijo. O trilho que faria ligação deste local à Casa Florestal do Tello, também não existia. Toda a área encontrava-se preenchida por vegetação arbustiva de elevada densidade o que inviabilizava por completo continuar na direcção definida pelo trilho indicado no mapa. A alternativa foi seguir pelo estradão florestal (cor laranja no mapa) e depois de passar por um ponto desse estradão que se encontrava vedado por uma corrente, sucederam-se muitos “ss” até às ruínas da Casa Florestal Tello. Aqui, toda uma área construída encontrava-se trancada, apenas as zonas que serviam de abrigo de gado se encontravam abertas, mas num estado de degradação e higiene que, só se houvesse extrema necessidade poderiam servir de local para passar a noite.
Já ao lusco-fusco, acampámos em frente à casa e muito embora o som da água corrente do rio Lanjaron fosse uma constante, ainda não estávamos assim tão próximos da torrente. A solução foi reabastecer num pequeno regato, que se encontrava a uns metros da casa, escondido pela vegetação que se apresentava algo desordenada na sequência dos trabalhos de requalificação florestal que, presentemente, ainda se desenvolvem após o violento incêndio que, em 2005, destruiu 2.500 ha de Parque Nacional e teve origem precisamente nesta área.
Acampamento junto à Casa Florestal de Tello
5º Dia
Só na manhã seguinte, ao localizar o trilho que nos daria acesso a Lanjaron, foi possível verificar que, após a casa do Tello, em direcção Sueste encontra-se uma levada (aproximadamente a 10’ da casa). O reabastecimento de água deverá ser feito nesta levada ou no rio, pois até Lanjaron, não existe mais nenhum local onde tal seja possível.
A partir da levada, o caminho para Lanjaron encontra-se sinalizado (setas azuis pintadas no solo e estacas de madeira).
A chegada a Lanjaron fez-se pela hora de almoço e ao fim da tarde regressámos de autocarro (Bus Alsa) a Trevelez. .A viagem até Trevelez demora pouco mais de duas horas e percorre praticamente todas as aldeias da Alpujara.
O dia seguinte amanheceu sob uma chuva copiosa… a “janela” e a travessía em boa hora se fechavam… Ao juntar este programa ao realizado em 2009, ficámos com uma noção do potencial de montanha que a Sierra Nevada tem e que vai muito para além da simples subida ao Mullhacén.
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Alguns meses depois...
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* Refúgio La Carihuela – Inverno de 2010/11
Só para dar uma ideia do que já nevou, este Inverno, na Sierra!
Antes do início do Inverno...
Alguns meses depois...
